4 de agosto de 2010

QUINDINS NA PORTARIA

QUINDINS NA PORTARIA

Martha Medeiros



Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde, numa de suas prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros e quindins na portaria do prédio de Mário Quintana: "Para estar ao lado sem pesar com a presença". Há outras histórias e poemas interessantes no livro, mas me detive nesta frase porque não pesar aos outros com nossa presença é um raro estalo de sensibilidade.

Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade tem outro nome: frescura.

Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado, ninguém pesa com sua presença num mundo já tão individualista e solitário.
Ah, pesa. Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados.

Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de meu próprio quarto, se sei que está ocupado.
Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma conversa por telefone.
Eu não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas.
Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do Messias, o que dirá a do vizinho.
Pessoas estão jantando.
Pessoas estão preocupadas.
Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas só usam quando ninguém está vendo.
Pessoas estão chorando.
Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito.
Pessoas estão se amando.
Avise que está a caminho. Frescura, jura? Então tá, frescura, que seja.
Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los, sabendo que nada interromperei do lado de lá.
Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade.
Dizemos pelo computador coisas que, face a face, seriam mais trabalhosas.
Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo?
Nem se discute que o encontro é sagrado.
Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios.
Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela.
Quando mando flores, vou junto com o cartão.
Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida havia sentido, anos antes. Também é estar junto.
Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é distância: é só um outro tipo de abraço.


Texto : Martha Medeiros

10 de julho de 2010

O CASAMENTO E A SOLIDÃO CRIATIVA

O poeta Rilke escreveu que "o companheirismo entre duas pessoas ...priva um ou ambos os parceiros de sua liberdade e desenvolvimento mais completos". Ele acreditava que "uma vez que se aceite que mesmo entre os seres mais íntimos continuem a existir infinitas distâncias, passa a ser possível desenvolver uma maravilhosa convivência , um ao lado do outro", tendo essa distância entre eles "como um pano de fundo, um imenso firmamento, contra o qual enxergarão o outro por inteiro !" Assim , em sua visão, que foge ao convencional, "bom casamento é aquele que cada um dos dois nomeia o outro como guardião de sua solidão"

Em solidão, podemos trancar o mundo para fora e ficar face a face com nossas necessidades e sentimentos mais profundos. Podemos pensar melhor, mais a fundo, podemos reagrupá-los , nos recuperar de nossas decepções e mágoas, cicatrizar nossas feridas. A solidão pode servir como nosso refúgio, onde rebuscamos em nosso interior o espaço que nos permita descobrir e desenvolver novas faces de nós mesmos. Conforme Anthony Storr aponta, em seu profundo livro Solidão, até o melhor dos relacionamentos tem defeitos ;portanto, poderíamos ser menos exigentes com nosso casamento ( e consequentemente, menos insatisfeitos com ele ) se procurássemos - por intermédio do uso criativo da solidão - fontes suplementares de realização

A solidão nos permite viver uma parcela de nossas vidas à parte de nossos parceiros. Da mesma forma que ocorre com outros tipos de separação , ocasiões em que escolhemos usar o nosso tempo livre ( por exemplo, quando as crianças são mais crescidas ) para trabalhar fora, para fazer trabalho voluntário, visitar um amigo ou fazer um curso de arte.

Viver junto cotidianamente, com um mínimo de dignidade, exige, dentre muitos outros requisitos, encontrar o equilíbrio entre companheirismo e isolamente. Ser honesto, sem exagerar na dose. Ficar à vontade, solto, autêntico , sem ser desleixado. Também aceitar a incessante marcha rotineira da vida conjugal, percebendo paralelamente , quanto ela é doce, quanto é muito doce, quanto é incrivelmente doce.

Trecho retirado do livro: CASAMENTO PARA TODA A VIDA, de Judith Viorst

7 de julho de 2010

NOSSO SENTIDO DE UTILIDADE

Nossas relações humanas são fortemente marcadas pelas regras da utilidade. Somos o que fazemos. Boa parte do nosso tempo é investido em nosso aprimoramento técnico, profissional. Coisas que estão ligadas ao nosso desempenho como profissionais.


O grande problema não é investir no aprimoramento técnico, mas sim em não saber viver as transições naturais do processo da vida. Não seremos eternamente jovens, competentes e úteis. Haverá um momento em que alguém nos substituirá, porque cumprirá melhor as exigências do que fazemos.


Chegará o momento em que teremos que sair de cena. É nesta hora que precisamos assumir uma outra forma de competência. Teremos que lidar com nossa inutilidade e esbarrar em nossa humanidade, sem os atrativos de tudo o que foi útil em nós.


Será o tempo de redescobrir os significados antigos, as coisas para as quais não tivemos muito tempo , mas que condensam possibilidades bonitas que precisamos explorar.


Quando pautamos nossa vida a partir de nossa utilidade, corremos o risco de nos desprender de nossos verdadeiros significados. É muito comum as pessoas se ocuparem de constantes aperfeiçoamentos técnicos. Mas é raro encontrar pessoas cuidando do futuro a partir de outras preocupações, como o cultivo de laços fecundos .


Precisamos, ao longo da vida, fazer-nos a pergunta cruel : Depois que perdermos a utilidade, quem vai querer continuar ao nosso lado ? Será que estamos bem posicionados entre os horizontes da utilidade e os horizontes do significado ?


Texto retirado do livro : QUANDO O SOFRIMENTO BATER A SUA PORTA

23 de junho de 2010

CHORAR JUNTO

Vou contar-lhes uma história da qual eu gosto muito: a de um menino pequeno cuja mãe mandou-ou fazer algo na rua e ele demorou muito para voltar.
Quando finalmente regressou, a mãe perguntou-lhe :

- Onde você estava ? Fiquei preocupada.

E o menino respondeu :

- Encontrei um menino da vizinhança com a bicicleta quebrada e que chorava porque não podia consertá-la.Fiquei triste e parei para ajuda-lo.

A mãe perguntou :

- E você sabe consertar uma bicicleta ?

O menino respondeu :

- Não, mas me sentei junto a ele e ajudei-o a chorar.

Quando as coisas estão quebradas e ninguém consegue consertá-las , há sempre algo que podemos fazer : sentar e ajudar os outros a chorar , para que não chorem sozinhos.

Trecho retirado do livro
"QUANDO AS COISAS RUINS ACONTECEM AS PESSOAS BOAS", de Harold Kushner

16 de junho de 2010

SOBRE RÓTULOS E ASSOMBRO

Um rótulo é uma máscara que a vida usa.

Usamos rótulos na vida o tempo todo. "CERTO" , "ERRADO", "SUCESSO", "FRACASSO","SORTE", "AZAR" podem ser modos tão limitantes de ver as coisas quanto "diabético", "epiléptico", "maníaco-depressivo" ou mesmo "inválido" . Colocar rótulos determina uma expectativa de vida muitas vezes tão imperiosa que não conseguimos mais ver as coisas como elas realmente são. Essa expectativa, com frequência, nos dá um senso de familiaridade falso com relação a alguma coisa que , na verdade , é nova e sem precedentes. Estamos num relacionamento com nossas expectativas , e não com a própria vida.


E isso nos faz pensar que podemos ser tão prejudicados pelo modo como vemos uma doença quanto pela própria doença. A crença nos prende ou nos liberta. Os rótulos podem transforma-se em profecias que se cumprem só porque foram feitas. Estudo sobre mortes no vodu indicam que , em certas circunstâncias , a crença pode até matar.


Talvez precisemos levar muito menos a sério nossos rótulos e até mesmo nossos especialistas. Alguns anos atrás , fiz parte da banca examinadora da tese de uma mulher do meio-oeste que estava estudando a remissão espontânea do câncer. Entre os que responderam a seu anúncio no jornal procurando pessoas que achavam ter tido uma experiência de cura incomum, estava um agricultor que obtivera ótimos resultados apesar de um prognóstico muito sombrio . Uma noite, por telefone , ela me contou sobre esse homem. Julgava que os resultados que ele conseguira estivessem ligados à sua atitude. "Ele não aceitou", disse ela.


Confusa, perguntei se ele havia negado que tinha câncer. Não, ela respondeu , não negara . Simplesmente ele adotara quanto ao prognóstico do médico a mesma atitude que tinha para com as palavras dos peritos do governo que analisavam o solo de seus campos. Como eram homens instruídos , ele os respeitava e ouvia atentamente enquanto lhes mostravam os resultados de seus testes e lhe diziam que o milho não cresceria naquele campo. Ele levava em conta as opiniões apresentadas. Porém , como contou à minha aluna, "boa parte do tempo o milho cresce mesmo assim".


Pela minha experiência, um diagnóstico é uma opinião , e não uma previsão . Como seria se mais pessoas aceitassem a presença do desconhecido e acolhessem as palavras de seus especialistas médicos da mesma maneira ? O diagnóstico é câncer. O que isso irá significar ainda veremos.


Assim como um diagnóstico , um rótulo é uma tentativa de assegurar o controle e administrar a incerteza. Ele pode nos dar a segurança e o conforto de uma conclusão mental e nos encorajar a não pensar mais no assunto. Mas a vida nunca chega a uma conclusão ; a vida é processo , até mesmo mistério. A vida só é conhecida por aqueles que encontraram um meio de estar à vontade com mudança e com o desconhecido. Considerando a natureza da vida, pode não existir segurança, mas apenas aventura.


Trecho retirado do livro HISTÓRIAS QUE CURAM, de Rachel Naomi Remen

10 de junho de 2010

MÃE É UMA MULHER QUE SONHA

É simples e confortável sonhar com um futuro bri­lhante, um mundo sem violência, um planeta que estará protegido e sustentável. E que a próxima geração terá aprendido a reciclar, a controlar o aquecimento global, a proibir a venda indiscriminada de armas e a não aceitar passivamente a corrupção política.

Que todos os filhos serão lindos, inteligen­tes, bem-sucedidos, perfeitos, vivendo em uma sociedade de paz. Sonho de mãe não tem limite.

Mas parâmetros, tão grandiosos, não serão de nenhuma ajuda na hora de educar um filho. Porque o mundo deles não será assim.

“Ao refletir sobre o que se espera para minha filha, resolvi sonhar em preto e branco, em vez de esperar um futuro inalcançá­vel”.

Meu sonho realista é que ela perceba que pequenos gestos cotidianos de proteção ao planeta não são inúteis. Que adianta, sim, reciclar o lixo, usar ecobags, evitar copinhos de plástico, e fechar a torneira enquanto escova os dentes, mesmo que o vizinho não o faça.

Eu sonho que a minha filha seja uma lutadora, que valori­ze a independência, com a certeza de que nada cai do céu, que tem de estudar muito para vencer, que as barreiras, as dificuldades e os desafios são inevitáveis e que conseguir superá-los dá uma inigualável sensação de poder.

Sonho que ela não deixará de ter compaixão pelos aflitos e despossuídos só porque teve o privilégio de uma infância plena de amor e conforto. Que será solidária e uma cidadã consciente de que tem um papel na sociedade.

Sonho que minha filha vai saber detectar na hora qual­quer proposta obscura e sem ética que for feita no trabalho. E saberá recusá-la com firmeza, sem medo de perder o emprego, por mais que a pressão seja forte e as vanta­gens tentadoras. Que ela não duvidará nem por um minu­to de que perder a integridade é, infinitamente pior do que perder um lucro fácil.

Eu sonho uma bela história de amor para minha filha. Mas que só será cor-de-rosa se houver respeito, companheirismo e admiração mútuos. Que ela compreenderá que o amor verda­deiro está muito mais próximo da amizade do que da paixão. Sonho que ela saberá enxergar qualquer sinal de perigo em um comportamento ríspido, controlador e excessivamente ciumento, mesmo que esteja naquela fase de encantamento que deixa a mente turva. Homens violentos sempre dão pistas. E homens que têm desvio de caráter jamais mudarão.

Enfim, sonho que a minha filha me dará netos. E que saberá sonhar os sonhos certos para eles. Mas essa é uma outra história – a história que ela sonhará quando for mãe.




Texto de Márcia Neder, Diretora de Redação da Abril

9 de junho de 2010

CADA PESSOA É COMO UM DIAMANTE QUE PRECISA SER LAPIDADO

A lapidação é um trabalho que exige sabedoria, precisão e paciência.

Cada pessoa é um diamante, que vem ao mundo em estado bruto: o trabalho de todos nós é descobrir como se lapidar para se transformar numa pedra preciosa de grande valor.

Nascemos e crescemos com determinadas características : mais explosivos, mais impacientes, tímidos, egoístas, intolerantes, malvados, irritadiços, medrosos ou impulsivos.

No decorrer da vida, muitas pessoas , situações e acontecimentos participam ativamente desse processo de lapidação: os pais e outros membros da família que nos influenciam , o grupo social que nos encoraja ou nos oprime, o ambiente de estudo e de trabalho que nos exige, amolda, direciona.

O que temos em excesso que precisamos abrandar ? O que nos falta que devemos desenvolver ou expandir ?

É importante reconhecer a influência ( positiva ou negativa ) das pessoas em nossa formação, mas é essencial acreditar que , na verdade, somos nós os principais responsáveis por nossa lapidação. Precisamos descobrir o poder de se modificar e buscar maneiras de viver melhor. Culpar os outros pelas próprias limitações pode ser mais confortável, mas resulta na perda da possibilidade de se construir.

É preciso que cada um pense assim : qual será o trabalho de lapidação necessário para que eu me coloque no caminho do equilíbrio interior , que vai me proporcionar paz, serenidade e força ?

Esse é um trabalho para a vida inteira : para crianças, jovens, adultos e idosos. E que ninguém se iluda : é uma tarefa cansativa e, às vezes, muito dolorosa ! Mas só ela nos permite atravessar os períodos difíceis sem nos quebrar por dentro e viver com mais alegria os períodos fáceis.


Texto retirado do livro : Histórias da Vida Inteira, de Maria Tereza Maldonado

31 de maio de 2010

O PODER DA ESCUTA

As pessoas vem curando umas às outras desde o princípio. Muito antes de existirem cirurgiões, psicólogos, oncologistas e clínico-gerais, já cuidávamos uns dos outros. A cura de nossos males presentes pode estar em reconhecer e recuperar a capacidade que todos nós temos para curar uns aos outros, no poder imenso que há na mais simples das relações humanas : a força de um toque, a benção de um perdão, a graça de alguém aceitá-lo exatamente como você é e descobrir em você uma bondade insuspeitada.

Todo o mundo que está vivo sofreu. É a sabedoria adquirida com nossas feridas e com nossas experiências de sofrimento que nos capacita para curar. Os conhecimentos especializados curam, mas pessoas que sofrem são mais bem curadas por outras pessoas que sofrem . Somente outras pessoas sofredoras podem compreender o que é necessário, pois a cura para o sofrimento está na compaixão, não nos conhecimentos especializados.

Ouvir é o mais antigo e talvez o mais poderoso instrumento de cura. Com frequência , é pela qualidade do modo como ouvimos e não pela sabedoria de nossas palavras que conseguimos efetuar as mudanças mais profundas nas pessoas que nos cercam.Quando ouvimos , oferecemos com nossa atenção uma oportunidade para a integridade. Nossa atenção cria um santuário para as partes sem lar que existem dentro da outra pessoa. As que foram negadas, desprezadas , desvalorizadas por ela mesma e pelos outros. As que estão ocultas.

Nesta cultura, a alma e o coração com frequência ficam sem lar.

Ouvir cria um silêncio sagrado . Quando você escuta generosamente as pessoas, elas podem ouvir a verdade em si mesmas, mesmo que pela primeira vez. E no silêncio de ouvir você pode conhecer a si mesmo em toda pessoa. Por fim, você pode acabar sendo capaz de ouvir, em todas as pessoas e além de cada uma, o oculto cantando baixinho para si mesmo e para você.



Retirado do livro : HISTORIAS QUE CURAM , de Rachel Naomi Remen

29 de maio de 2010

PRECE


Quando rezamos ,não mudamos o mundo, mudamos a nós mesmos. Mudamos nossa consciência. Passamos de um tipo de consciência individual, isolada, voltada para as coisas práticas , para uma conexão mais profunda com a realidade, o mais abrangente possível. E então, a questão:
“Como você se recobrou ? “ torna-se mais uma questão sobre mistério do que sobre eficácia. Um tipo de questão muito diferente.

Em seu aspecto mais profundo, a prece é uma declaração sobre a causalidade.
Recorrer a uma prece é libertar-se da arrogância e vulnerabilidade de uma causalidade isolada e individual. Quando rezamos, paramos de tentar controlar a vida e nos lembramos de que pertencemos a ela. É uma oportunidade de vivenciar a humildade e reconhecer a graça.

Às vezes, as preces mais poderosas são também as mais simples. Certa vez, quando eu estava deitada na minha mesa de operação à espera da anestesia, um dos cirurgiões pegou minha mão e perguntou se eu gostaria de juntar-me a ele e à sua equipe em uma prece. Espantada, assenti com a cabeça. Ele reuniu a equipe ao redor da mesa de operação para um momento de silêncio, após o qual ele disse serenamente :
"Que possamos ser ajudados a fazer o que for mais certo"

Essa prece tradicional dos índios americanos parece um modo bastante simples de resignar-se à suprema causalidade. Por meio dela, em uma sala de cirurgia equipada com o a mais avançada tecnologia, não estamos sozinhos em casa. O alento que o cirurgião me ofereceu foi autentico. Senti meus temores em relação ao resultado dissipar-se , e adormeci com a anestesia apegando-me àquelas poucas palavras, com a mais profunda sensação de paz. Assim como todas as preces genuínas, esta prece é um modo poderoso de acolher a vida, encontrando um lar em qualquer resultado e lembrando que pode haver razões além da razão.


A prece é um movimento do domínio para o mistério. Eu costumava orar por meus pacientes. Hoje, oro também por mim. Às vezes, rezo por compaixão, porém com mais freqüência rezo para não causar dano, a grande qualidade espiritual incorporada ao juramento de Hipócrates. Como ser humano, sei que nunca posso esperar ter a profundidade e amplidão de perspectiva para saber se qualquer uma de minhas ações irá em última análise causar mal ou curar. Contudo, minha esperança é poder ser usada para atender um propósito santo sem jamais ficar sabendo. Por isso, às vezes, antes de atender um paciente, faço uma pequena prece sem palavras : Compreender o sofrimento está além de mim.Compreender a cura, também. Mas neste momento, estou aqui. Use-me.


Retirado do livro : HISTÓRIAS que curam , de Rachel Naomi Remen

28 de maio de 2010

O POTE RACHADO

Um carregador de água na Índia levava dois potes grandes, ambos pendurados em cada ponta de uma vara a qual ele carregava atravessada em seu pescoço. Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e a casa do chefe. O pote rachado chegava apenas pela metade.

Foi assim por dois anos, diariamente, o carregador entregando um pote e meio de água na casa de seu chefe. Claro, o pote perfeito estava orgulhoso de suas realizações. Porém, o pote rachado estava envergonhado de sua imperfeição, e sentindo-se miserável por ser capaz de realizar apenas a metade do que havia sido designado a fazer.

Após perceber que por dois anos havia sido uma falha amarga, o pote falou para o homem um dia, à beira do poço:

- Estou envergonhado, quero pedir-lhe desculpas.

- Por quê?, perguntou o homem. - De que você está envergonhado?

- Nesses dois anos eu fui capaz de entregar apenas metade da minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho da casa de seu senhor. Por causa do meu defeito, você tem que fazer todo esse trabalho, e não ganha o salário completo dos seus esforços, disse o pote.

O homem ficou triste pela situação do velho pote, e com compaixão falou:

- Quando retornarmos para a casa do meu senhor, quero que percebas as flores ao longo do caminho.

De fato, à medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou flores selvagens ao lado do caminho, e isto lhe deu ânimo. Mas ao fim da estrada, o pote ainda se sentia mal porque tinha vazado a metade, e de novo pediu desculpas ao homem por sua falha. Disse o homem ao pote:

- Você notou que pelo caminho só havia flores no seu lado do caminho??? Notou ainda que a cada dia, enquanto voltávamos do poço, você as regava??? Por dois anos eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Sem você ser do jeito que você é, ele não poderia ter essa beleza para dar graça à sua casa.

Autor desconhecido

Retirado do site "POSSIBILIDADES"

26 de maio de 2010

A ENERGIA SEGUE O PENSAMENTO

"Nosso pensamento e vontade são, na verdade, o que regem nossa vida. E , curiosamente, na maior parte das vezes estamos concentrados no que não está dando certo, naquilo que está agindo contra nossas vidas. Parece mais fácil fazer um pacto com o inimigo. Gastamos mais tempo com aquilo de que não gostamos do que com o inverso.

Transpondo essa informação para a vida de todos nós, podemos inferir que, muitas vezes, nossa dor , nossos problemas, nossas pequenezas ocupam mais espaço em nossa vida do que deveriam. Tornamos camundongos em elefantes, vitalizamos nosso inimigo quando pensamos nele o tempo inteiro , colocamos nossa energia nele, tornando-o presente e atuante em nosso dia-a-dia.

Nas horas em que tudo parece obscuro não vemos nossos amigos, enxergamos apenas os que agem contra o nosso progresso, e assim perdemos a fé naqueles com quem poderíamos contar. E tudo aquilo que não é nutrido por nossa energia, por nossa fé, esvazia-se e se esvai."


Fonte: Livro “Estações da Vida" Histórias de Solidariedade e Esperança.

25 de maio de 2010

UMA BOCA SEMPRE ABERTA E UM BURACO NO ESTÔMAGO

A pessoa vive infeliz, insatisfeita, angustiada. Mexe para cá, remexe pra lá, e há sempre aquela sensação incômoda de que está faltando alguma coisa.

"Será que é comida ? Ai, essa fome que não acaba ! É mais um docinho, um chocolate, uma fatia de bolo, outro sanduíche...."

"Eu tenho tão pouca roupa no armário...Nossa, que vestidos lindos, vou comprar três !"

"Estou chateada, mamãe não quis comprar aquele brinquedo que eu vi na loja..."

Por mais que a pessoa tenha, nunca é o bastante. Nada preenche o buraco do amor que não foi sentido, do abraço que não aqueceu , do olhar que não trouxe a alegria do contato.Ela não conseguiu ganhar aquela confiança de que , se esperar, vem; se buscar, acha; de que vai receber aquilo de que precisa e que isso será suficiente para satisfazê-la.

Ao contrário : surge a inquietação , aquele vai-pra-lá-vem-pra-cá, a necessidade constante de pedir, devorar, exigir, engolir inteiro. "Ah, consegui mais isso !"
E fica contente por pouco tempo:aquilo logo perde a graça e ela volta a pensar no que ainda não tem , no que falta, com aquela boca aberta do "quero mais, quero agora!"


É claro que a falta existe. Precisamos conviver com ela e perceber que há muitas coisas que nos preenchem.

"As melhores coisas da vida não são COISAS"

Retirado do livro HISTÓRIAS DA VIDA INTEIRA , de MARIA TEREZA MALDONADO.

LUGAR DE ENCONTRO

"De todas as maneiras pelas quais as pessoas lidam com o sofrimento- negação , racionalização, espiritualização, substituição -poucas são lugares de abrigo.Muitas delas nos desconectam da própria vida que desejamos abençoar e servir ,impedindo-nos de cumprir nossos desígnios. O mais triste disso tudo é que não conseguimos nos esconder do sofrimento.Ele faz parte do fato de estarmos vivos. Se nos escondermos teremos que sofrer sozinhos.


Se quisermos evitar o sofrimento, teremos que pagar o alto preço de nos distanciarmos da vida. Para viver integralmente é preciso olhar com respeito para o nosso próprio sofrimento e para o sofrimento dos outros. Nas profundezas de cada ferida à qual sobrevivemos, está a força necessária para viver. A sabedoria oferecida por nossas feridas é um lugar de abrigo. Encontra-lo não é tarefa para os fracos de coração. Mas a vida também não é."



Trecho do livro : AS BENÇÃOS DO MEU AVÔ, de RACHEL NAOMI REMEN

24 de maio de 2010

APEGO

Meu pai era filho de imigrantes. Trabalhou desde menino, e durante a maior parte de sua vida adulta , teve dois empregos. À noite, muitas vezes adormecia na poltrona, os pés numa bacia de água morna,exausto demais para conversar.Sempre trabalhara para outras pessoas, acatando as condições delas , em funções dos objetivos delas. Uma das primeiras coisas de que me lembro é meu pai me dizendo o quanto é importante ser patrão de si mesmo, estar no controle da própria vida.

Eu estava com quase vinte anos quando ele e mamãe compraram uma casinha em Long Island, e ele se aposentou. Por um momento, seu sonho parecia completo.

Alguns meses depois de ele tomar posse da nossa casa, fui fazer uma visita num domingo e o encontrei dormindo na poltrona, exausto.Uma visão familiar desde a infância para mim, mas eu estava pensando que as coisas tinham mudadOo. Minha mãe contou-me que ele acabar de arrumar um empreguinho, só para poderem manter o lugar em ordem. As coisas estavam sempre se deteriorando.

Na visita seguinte, ele estava de novo dormindo na poltrona.

"Vocês estão se divertindo
?"- perguntei.
"Bem" disse mamãe- "Seu pai teme que alguém arrombe a casa e leve tudo o que trabalhamos para ter.Ele continua a trabalhar, pois quer instalar um sistema de alarme"

Desanimei. Perguntei quanto aquilo custaria. Minha mãe fugiu do assunto e disse que o comprariam em breve . Meses depois, meu pai continuava a parecer esgotado. Preocupada, perguntei quando eles tirariam férias.
Meu pai sacudiu a cabeça .

"Não neste ano- não podemos deixar a casa sozinha
."

Sugeri um caseiro. Meu pai ficou horrorizado .

-Ah, não -replicou "Você sabe como são as pessoas.Nem nossos amigos cuidam das nossas coisas do mesmo jeito que cuidam das deles".

Nunca mais meus pais tiraram férias.

No final, eles raramente saiam de casa juntos , nem para ir ao cinema. Podia haver um incêndio ou algum outro tipo de desastre vago e indefinido. E meu pai trabalhou fazendo bicos até morrer. A casa acabou tendo muito mais controle sobre ele do que qualquer um de seus ex-patrões tivera.

Se temermos demais a perda, no final as coisas que possuímos acabarão por nos possuir.


Retirado do livro
"HISTÓRIAS QUE CURAM", de Rachel Naomi Remen

23 de maio de 2010

JULGAMENTO

Abrimos mão de nossa integridade por várias razões. Entre as mais imperiosas estão as nossas idéias quando ao que é ser uma boa pessoa. Às vezes, não é a aprovação dos outros, mas a de uma escola ou de mentor espiritual que determinam que parte de nós conservamos e que parte escondemos. O "eu" natural, uma interação viva e complexa de características aparentemente opostas, vai diminuindo pouco a pouco, suplantado por algum padrão adquirido de aceitabilidade social e espiritual. Poucas pessoas são capazes de amar a si mesmas como realmente são. Talvez até tenhamos passado a sentir vergonha de nossa integridade.

Partes de nós que talvez tenhamos escondido durante toda a vida, por vergonha, com frequência, são a fonte de nossa cura. Todos fomos ensinados que alguns de nossos modos de ser não condizem com o ponto de vista e os valores comuns da sociedade ou da família em que nascemos. Cada cultura, cada família tem a sua Sombra. Quando nos dizem que "homem não chora" , que as "damas nunca discordam de ninguém", aprendemos a evitar o julgamento renunciando aos nossos sentimentos e pontos de vista.Nós nos fazemos menos inteiros. É tipicamente humano trocar integridade por aprovação.Contudo, as partes que repudiamos não são perdidas, apenas esquecidas. Podemos lembrar nossa integridade a qualquer momento. Ao escondê-la, nós a mantivemos em segurança.


Rachel Naomi Remen, no livro
HISTÓRIAS QUE CURAM .

20 de maio de 2010

DIGA SOMENTE O QUE VOCÊ SENTE

Muita gente não sabe o que dizer quando visita alguém de luto . Estes são os sentimentos que Rita Moran expressou quando perdeu sua filha.


Por favor, não me pergunte se já passou.
Não vai passar nunca.
Por favor, não me diga que ela está em um lugar melhor.
Ela não está aqui comigo.
Por favor, não me diga que pelo menos ela não sofre.
Ainda não entendo porque tinha de sofrer.
Por favor, não me diga que entende o que estou sentindo
A menos que já tenha perdido um filho.
Por favor, não me pergunte se já me sinto melhor.
A desgraça não é uma doença da qual se possa recuperar.
Por favor, não me diga que pelo menos eu a tive por muitos anos.
Que ano você escolheria para que seu filho morresse ?
Por favor, não me diga que Deus nunca envia mais do que podemos suportar.
Por favor, diga só que você sente.
Por favor, diga que lembra da minha filha, se for verdade.
Por favor, deixe-me falar dela.
Por favor, pronuncie o nome da minha filha.
Por favor, só me deixe chorar.


Marcelo Rittner , do livro APRENDENDO A DIZER ADEUS

MORTE ( Pedro Bial )

Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos,
parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada,estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena,
mas nada acontecia ali de risível, era só dor e a perplexidade, que é mesmo o que causa em todos os que ficam.
A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro:
a morte por si só, é uma piada pronta.
A morte é ridículo.
Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário.
Tem planos para semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório...
Colocar gasolina no carro e no meio da tarde...
MORRE.
Como assim?
E os e-mails que você ainda não abriu?
O livro que ficou pela metade?
O telefonema que você prometeu dar a tardinha para um cliente?
Não sei de onde tiraram esta idéia:
MORRER...

A troco de que?

Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviram para nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente.
Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego. Mas não desistiu.
Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de duvidas quanto à profissão escolhida...
Mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...
De uma hora pra outro, tudo isso termina...
Numa colisão na freeway...
Numa artéria entupida...
Num disparo feito por um delinqüente que gostou do seu tênis...
Qual é?
Morrer é um chiste.
Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida.
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas...
Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas...
A apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.
Logo você que dizia: das minhas coisas cuido eu.
Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manha.
Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito...
Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem vindo...
Já não há muito mesmo a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas.
ok, hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo?
Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas.
Morrer é um exagero.
E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas.
Só que esta não tem graça.
Por isso viva tudo que há para viver.
Não se apegue as coisas pequenas e inúteis da vida...
Perdoe...
Sempre!!

A MELHOR MANEIRA DE LIDAR COM SEUS SENTIMENTOS É SENTI-LOS

Talvez as pessoas lhe dêem as dicas menos práticas sobre como lidar com a morte de um ente querido . Dizem : você está enfrentando muito bem a perda. O que muita gente quer dizer com esse comentário é que você não está chorando demais, ou que não está triste demais, que até parece bem normal .Talvez você esteja sendo estóico. O que quer que os outros digam não é necessariamente a melhor maneira de sentir a dor.

Outra frase que usualmente se escuta é : "Você deve ser forte agora". Geralmente, espera-se que você seja forte para outras pessoas, para sua família. Algumas vezes, lhe dizem para ser forte só pra você mesmo, de forma a conseguir lidar com a dificuldade à sua frente. Pode haver outra intenção
nessas palavras "Não se veja como fraco ou inseguro"

Também costumamos escutar :"Alegre-se . Vai passar logo". Outra tradução para "anime-se" é "animemo-nos". Algumas pessoas não sabem o que fazer quando a outra está triste. Sentem-se desconfortáveis na sua companhia e esse desconforto se duplica se a tristeza se prolongar por muito tempo ( o que é muito comum no período de luto ) . Talvez essas pessoas tentem apressá-lo com comentários e conselhos , como dizendo :
"Vamos acabar com isso o mais rápido que pudermos".Pensam mais neles próprios que em você.

Se você receber esse tipo de conselho, faça um favor a si próprio : não lhes dê atenção. A melhor maneira de enfrentar o luto é estar em contato com as emoções que cruzem o seu caminho. Talvez você carregue muitos sentimentos ou poucos. Eles podem ser suaves, ou fortes, ou tomar qualquer outra forma. Costumam ser imprescindíveis e não um sinal de algo errado com você.De fato, seus sentimentos são um sinal de que está tudo certo com você. Alguém que você ama faleceu e é natural que isso doa. Sua vida e seus hábitos mudaram . Você, portanto, experimenta a dor. Só assim você, pouco a pouco, começa a se sentir novamente mais como "você mesmo" , mais completo, por mais tempo que demore.

Você talvez se sinta triste, mais triste do que acreditava ser possível.Ou então deprimido, inclusive desesperado. Pode sentir medo, mesmo sem entender o porquê.O então uma solidão muito intensa, embora rodeado de gente. Ou quem sabe inesperadamente cansado, facilmente distraído, inexplicavelmente ansioso. É possível que você se revolte com maior facilidade e que sinta raiva dos outros, de si mesmo, de DEUS e até de quem faleceu. Alguns se sentem culpados, seja pelo que disseram ou fizeram, seja pelo que não disseram ou não fizeram.

Outra sensação que é provável que você experimente é a falta total de sentimentos. Você talvez se perceba vazio e entorpecido. É uma reação comum, especialmente no início. É um sinal de que sua mente e seu corpo o protegem, até que você esteja pronto para processar o que aconteceu.

É necessária muita coragem para enfrentar o que se tem pela frente. Demanda uma grande quantidade de energia , em um momento em que suas reservas estão mais baixas que o normal. É necessário força e determinação para realizar as tarefas de rotina nesses dias, sentindo o que você sente. É uma escolha simples. Você pode experimentar seus sentimentos do seu próprio jeito, como chegam a você, ou postergá-los para um outro momento. Mas não poderá protelar para sempre. Em algum lugar , de alguma maneira, em algum momento, seus sentimentos demandarão sua atenção. E então talvez tenham se tornado mais fortes e profundos.

Lembre-se : a melhor maneira de enfrentar seus sentimentos não é evitá-los, e sim caminhar com eles.

Marcelo Rittner

19 de maio de 2010

PRIORIDADES

Bem que a gente podia fazer uma reforma para valer, não essas dos políticos e dos papéis, mas alguma coisa pessoal. Vital. A reforma das nossas prioridades. Cansei de ouvir todo mundo reclamando que não tem tempo nem pra respirar, nada mais de conversas à mesa, nada mais de passeio tranqüilo, muito menos de sossego em família.

Amantes, namorados, casais, amigos, todo mundo corre afobadíssimo para cumprir mil tarefas: das quais certamente novecentos e noventa seriam dispensáveis se a gente examinasse direito. Tempo é dinheiro, diziam os pragmáticos, e isso se tornou lei universal. A conta do banco, o colégio dos filhos, o plano de saúde (num pais onde o INSS é meio suicídio andado), o restaurante e o bar, a roupa de grife e a bolsa, até a mochila escolar do momento, sem a qual, é claro, o filho não garante nem que consiga passar de ano. A lista é longa, segundo a preferência de cada um.

Fico imaginando que se a gente fizesse uma faxina em nossos compromissos e deveres, boa parte desapareceria ligeiro no ralo do bom senso, e desapareceria para todo o sempre no nebuloso das nossas iniqüidades mais banais. Sobrariam alguns compromissos, dos quais não há como fugir: provavelmente saúde, prestação do apartamento, escola (a pública estando como está) e alguns outros (poucos).

Comprar não é um dever, quando não se trata do indispensável ou do que faz bem. Comprar pode ser, e tem sido, em grande parte moda, mania, quase neurose. Andar com a roupa do momento pode ser burro e pobre: por que todas as meninas parecendo fantasiadas para desfilarem no mesmo bloco? Por que todas com a mesma sandália só porque alguém na televisão...? Por que pais e mães se sacrificam para poderem dar aos meninos alguns absurdos caros, talvez ridículos? Não quero que meus netos e netas andem muito diferentes de sua turma. Mas não desejaria que seus pais trabalhassem mais horas do que o necessário para lhes permitir algumas insanidades. Não acho que os casais precisem ter apenas, para seu encontro, as poucas horas da noite, exaustos do dia intenso, da hora extra, quem sabe até do trabalho no fim de semana. Se for para sobreviver com dignidade, paciência: muitas vezes tem de ser. Mas muitíssimas vezes não precisaria ser assim. Labutamos como animais para além do que seria humano, e para aquilo que nem é importante: para o fútil excessivo (um pouco de futilidade, sim, ou nos desumanizamos), para o mais do que tolo (um pouco de tolice, sim, ou viramos estátuas). Uma hora menos de trabalho extra por dia - não vou poder comprar aquele tênis importado caríssimo, o menino vai emburrar - pode significar uma hora de carinho, de convívio a mais. Um fim de semana menos de trabalho extra - mas como vou dar aquela roupa caríssima, a menina vai se frustrar, e tem o cursinho de inglês, e o de nem lembro o quê... e a mulher quer aquelas férias naquele hotel caro, e chegou a hora de trocar o carro... - pode representar um encontro onde a gente vai enxergar de verdade o filho, o irmão, a amante, o marido, o amigo.

Ou a si mesmo, ficando quieto na rede, na praça, até na cama, pensando. De bobeira. Olhando a nuvem, o galho de flor pela janela, deitado na grama ou na areia com a cara no sol, sentindo o mundo respirar, e fazendo parte desse ritmo imenso. Sentindo que somos gente, dentro de algo misterioso chamado vida. Reformulando nossos planos, tentando saber o que queremos para nós.

Muito do que gastamos (e nos desgastamos) nesse consumismo feroz podia ser negociado com a gente mesmo: uma hora de alegria em troca daquele sapato. Uma tarde de amor em troca da prestação do carro do ano; um fim de semana em família em lugar daquele trabalho extra que está me matando e ainda por cima detesto.

Não sei se sou otimista demais, ou fora da realidade. Mas, à medida que fui gostando mais de meus jeans, camisetas e mocassins, me agitando menos, querendo ter menos, fui ficando mais tranqüila e mais divertida. Sapato e roupa simbolizam bem mais do que isso que são: representam uma escolha de vida, uma postura interior.

Nunca fui modelo de nada, graças a Deus. Mas amadurecer me obrigou a fazer muita faxina nos armários da alma e na bolsa também. Resistir a certas tentações é burrice; mas fugir de outras pode ser crescimento, e muito mais alegria.

Cada um que examine o baú de suas prioridades, e faça a arrumação que quiser ou puder. Que seja para aliviar a vida, o coração e o pensamento - não para inventar de acumular ali mais alguns compromissos estéreis e mortais.

Lia Luft in "Pensar É Transgredir"

O ALTO CUSTO DE AMAR

Muitos vivem com a crença de que "as melhores coisas da vida são gratuitas". Eu ,particularmente, tive experiências suficientes para aprender que algumas das melhores coisas da vida são dolorosamente caras. Geralmente, parece que as recebemos de presente, mas elas contém um preço invisível. O amor é uma delas. Nós, que perdemos entes queridos, aprendemos com nosso pesar que pagamos um preço enorme pelo amor que deixamos fluir.Pagamos com a moeda da dor: sentindo falta, saudades. Dói muito . A verdade mais amarga é que cada história de amor tem um final triste e, quanto maior o amor , maior será a tristeza quando ele termina. Quando amamos colocamos um refém nas mãos da sorte. Quando nos permitimos gostar de alguém, tornamo-nos vulneráveis à angústia e à desilusão. Qual é nossa opção , afinal ? Não devemos permitir-nos amar ninguém ? Nunca deixar que alguém seja importante para nós ?Negar-nos a maior das alegrias outorgada por Deus ?

E, inclusive , pode-se agregar mais uma consideração . Se um anjo viesse até nós no momento de dor mais profunda e se oferecesse para nos livrar de todo o sofrimento e melancolia , mas também de todas as nossas lembranças do passado e das aventuras que compartilhamos, aceitaríamos o acordo ? Ou consideraríamos essas lembranças tão valiosas , tão infinitamente queridas , que a guardaríamos em nosso coração e recusaríamos comprar o consolo imediato pagando o preço de cedê-las ?


Uma antiga lenda grega faz referência a essa escolha. Fala de uma mulher que foi ao Rio Estige onde Caronte, o balseiro gentil , estava pronto para levá-la a região dos mortos.O homem lembrou-a de que tinha o privilégio de beber a água do Letes, e se o fizesse, ela se esqueceria completamente de tudo o que deixava pra tras.
Ela respondeu ansiosa: "Esquecerei tudo o que sofri". E Caronte objetou :"Mas lembre-se de que também se esquecerá das alegrias". A mulher respondeu : "Esquecerei os meus fracassos". O velho balseiro completou : "E também das vitórias". Ao que ela retrucou :"Esquecerei o quanto foi ferida". "E também o quanto foi amada".

Então a mulher parou para ponderar com cuidado a situação . A história termina nos revelando que ela não tomou a a água do Letes. Preferiu manter suas recordações, mesmo as de dor e sofrimento, em vez de abrir mão das alegrias e amores. Alguém escreveu que "quem não sofreu não foi humano" . A dor passa, as recordaçoes permanecem ; os seres amados partem , mas o sentimento de tê-los tido perdura . E somos muito mais ricos por termos arcado com o alto custo de amar.

Marcelo Rittner

18 de maio de 2010

TEXTO : FILHO DA TERRA

Às vezes penso que a morte não é inimiga da vida, e sim uma amiga.

Saber que nossa vida tem um limite é o que a torna tão valiosa.Saber que o tempo nos foi emprestado é o que , no melhor dos casos, nos faz encarar como um patrimônio posto a nosso encargo por certo tempo.

Somos como crianças que tem o privilégio de passar um dia em um grande parque, um com muitos jardins e brinquedos, lagos azuis repletos de barcos que navegam sobre ondas tranquilas.É verdade que os dias designados a cada um não tem a mesma duração, nem a mesma luz, nem igual beleza. Alguns têm o privilégio de passar longos dias nos jardins da terra. Para outros, o dia é curto, mais nublado.

Sabemos também que existem tormentas e vendavais que obscurecem o mais azul dos firmamentos, e que há raios de sol que atravessam o mais escuro dos céus de inverno.

Então, para cada um de nós chega o momento quando a enfermeira grande, a morte,toma o homem, o menino pela mão e diz baixinho: "Está na hora de ir para casa, está escurecendo. Chegou a hora de dormir, filho da terra. Venha, você está cansado. Vem, descanse e durma, o dia terminou . As estrelas brilham no céu...."

Joshua Loth Liebman

7 de maio de 2010

CARTA PARA MINHA AVÓ, QUE PEDIA PARA EU "PARAR DE PENSAR".....

Acho que a gente esta preparado para "PENSAR NA VIDA" só alguns minutos por dia. Uma meia hora, uma hora no máximo. Mais do que isso , dói.

Dói principalmente quando a gente enxerga coisas que a gente sabe que não combinam mais com nosso jeito de ser , e mesmo assim , insistimos em permanecer no erro.

Eu tenho a "mania" de ser afetiva. Para algumas pessoas,que não estão acostumadas com limites, isso pode ser uma "porta de entrada" para uma "festa" para os quais elas não foram convidadas. Depois , eu acabo tendo que "manda-las" embora pra sempre, da "festa", e da minha vida.

É como a costureira que eu adorava, e que agora está achando que tenho cara de boba e que já pode me explorar.

Ou do colega de trabalho que vive querendo comer o lanche de todo mundo e nunca ajuda nas compras.

E volta e meia estou convivendo com pessoas que já ultrapassaram o meu limite de afeto e até de encheção de saco.

Pronto, já pensei demais por hoje. Chega. Agora vou agir....

Lembro da minha finada avó , que quando me via parada, em qualquer canto , chegava pra mim e pedia :

- Não pensa não, minha filha.

Como se fosse possível.

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